Agência Mural usa IA para alertar periferias sobre riscos climáticos
Com inteligência artificial, organização de jornalismo local brasileira enviará alertas personalizados sobre clima e qualidade do ar a comunidades vulneráveis da Grande São Paulo
Página protótipo da nova ferramenta de alertas climáticos.
Por: Cleber Arruda e Vagner de Alencar
Em um dia de garoa que virou tempestade, Guilherme Sampaio, 30, se viu preso por mais de três horas em uma farmácia em Osasco, município da região metropolitana de São Paulo. “A água chegou a entrar dentro do local”, relata. A experiência do cabeleireiro não é isolada: alagamentos, mudanças bruscas no tempo e ar seco afetam milhares de moradores das periferias da Grande São Paulo, que sentem na pele e no cotidiano os impactos das mudanças climáticas.
Com base nesse cenário, a Agência Mural de Jornalismo das Periferias está desenvolvendo, como parte do Innovation Challenge da JournalismAI, com o apoio da Google News Initiative, o Alerta Climático Local, um serviço que pretende informar moradores sobre a qualidade do ar e mudanças no clima em cinco territórios: Guarulhos, Osasco e Mauá, cidades da maior região metropolitana do Brasil; Capão Redondo e Itaim Paulista, distritos da capital paulista.
Em parceria com a Agência Tatu, startup especializada em jornalismo de dados, a iniciativa combina inteligência artificial e dados públicos para enviar informações automatizadas e personalizadas sobre clima e qualidade do ar diretamente aos celulares dos moradores.
As informações serão produzidas com auxílio de ferramentas de IA e validadas por um editor da Mural, em conformidade com a política de uso da organização. Além de serem enviadas para quem se inscrever, as notas também serão publicadas nas páginas dos territórios no site da Mural, aumentando a cobertura local nos buscadores.
A ferramenta atenderá cinco territórios da Grande São Paulo: Capão Redondo, Itaim Paulista, Guarulhos, Osasco e Mauá — que juntos somam mais de 2,9 milhões de habitantes.
Da ideia ao piloto
Desde o início, o projeto definiu quatro objetivos principais: oferecer informações ambientais em tempo real; criar um sistema automatizado, acessível e confiável; fortalecer a resiliência das comunidades diante dos riscos ambientais, por meio de orientações práticas; e traduzir informações técnicas em serviços úteis para a população local.
Entre janeiro e abril de 2025, a equipe estruturou o trabalho em fases. Na primeira, reuniu jornalistas locais, parceiros estratégicos e especialistas para definir cinco bairros prioritários para o piloto.
Em seguida, a Mural aplicou uma pesquisa com 402 moradores dessas regiões para compreender seus hábitos de consumo de informação e as principais preocupações ambientais. Com base nesses dados, está sendo desenvolvido e testado um MVP. Ainda em andamento, a terceira etapa contempla o desenvolvimento da campanha de lançamento e a criação de conteúdos em outros formatos visuais, focados na experiência do usuário.
Além das etapas práticas, a equipe participou da Digital Product Development Journey, iniciativa do GNI no Brasil, onde aprimorou a proposta de valor, validou os desafios centrais e aprendeu a estruturar um plano de entrada no mercado.
90% dos moradores entrevistados disseram já ter enfrentado problemas relacionados ao clima em seus bairros, como enchentes ou má qualidade do ar.
Simples, direto e eficiente
Os primeiros resultados mostraram a relevância da iniciativa: 77% dos entrevistados manifestaram interesse em usar o serviço, e 90% relataram enfrentar problemas ambientais em seus bairros. A maior parte (85%) prefere receber os alertas em formato de texto simples.
Atualmente, a equipe avalia diferentes abordagens para garantir que as mensagens sejam compreensíveis e tecnicamente precisas. O uso de inteligência artificial generativa, via API da OpenAI, demonstrou potencial, mas ainda está em fase de testes. Como alternativa, modelos de texto fixos com variáveis automáticas são explorados para assegurar maior controle sobre o conteúdo — principalmente diante dos padrões exigidos pela API do WhatsApp, que deve ser o principal canal para envio dos alertas, dependendo dos custos envolvidos na distribuição.
Outro elemento fundamental no desenvolvimento do projeto foi o engajamento dos correspondentes locais, os chamados muralistas, que atuam diretamente nas comunidades, mobilizando moradores e fortalecendo a confiança no serviço.
A criação do Alerta Climático Local ganha ainda mais relevância em um ano em que o Brasil será sede da COP 30, conferência global da ONU sobre mudanças climáticas, marcada para novembro em Belém (PA). Em meio às discussões internacionais, o projeto mostra como ações locais, especialmente nas periferias urbanas, podem contribuir para a adaptação climática e para a democratização do acesso à informação ambiental.
As mensagens de texto são o formato preferido para receber alertas climáticos, seguidas por imagens e vídeos, segundo os participantes da pesquisa.
Caminhos para a expansão
Com os testes em andamento e uma base inicial de 517 contatos (245 pelo WhatsApp e 272 por e-mail), a Mural prepara os próximos passos. No início de julho, será concluída a automação do bot de alertas, e até o fim do mês a plataforma será lançada oficialmente com o primeiro evento presencial nos territórios selecionados. Em agosto, será implementada uma ferramenta de feedback contínuo, seguida da entrega de um relatório final de impacto.
A longo prazo, a organização tem como objetivo expandir o projeto para outras regiões da Grande São Paulo e inspirar veículos de mídia local a replicar esse modelo em outras cidades.
A parceria com a Agência Tatu, no Nordeste do Brasil, também reforça o compromisso com a troca de experiências e o fortalecimento de redes de inovação para o jornalismo independente e a tecnologia.
Tudo isso faz do Alerta Climático Local um serviço informativo como resposta concreta à desigualdade no acesso à informação, e uma ferramenta de cidadania para quem mais sofre os efeitos da emergência climática.
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Este artigo faz parte de uma série com atualizações de 35 organizações beneficiadas pelo JournalismAI Innovation Challenge, com apoio da Google News Initiative. Clique aqui para ler outros artigos dos nossos participantes.
